segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Na Serra em vez da terra




Queria ter voltado a escrever aqui antes. Mas não pude, me faltou coragem. E eu que sempre me julguei tão corajosa. Quase está completando dois meses que perdi minha mãe. Não fui capaz de encontrar as palavras que poderiam dizer do estado da minha alma. Nem pretendo mais agora.
Minha mãe era uma mulher inteligente, culta e permanentemente curiosa das coisas do mundo, apesar de seu pouco estudo. Sempre leu muito. Até hoje, não li alguns livros que ela leu. Ela gostava de falar sobre política, sobre futebol, sobre tudo que acontecia no mundo. E tinha opiniões progressistas. Tinha lado. Era sensível às lutas do povo. Isso me enchia de orgulho.
Quando eu era criança rabiscava em meus cadernos alguns versos infantis e dava pra minha mãe ler. Eu ficava me sentindo importante por ela ler. E assim foi por toda a vida. A última coisa que dei pra ela ler foi um texto desse blog em que falo dela, da paixão dela pelo Inter.
Mesmo que não falasse, minha mãe era uma mulher cheia de amor. Hoje que ela não está mais aqui percebo isso. Tinha tanto orgulho de ter nascido brasileira. De ser gaúcha. De ser colorada. Do Olívio Dutra. Do Érico Veríssimo (deu o nome de Clarissa à minha irmã mais nova). De Falcão e Pelé. Das serras de Veranópolis – lugar que escolheu para que espalhássemos suas cinzas. De ser irmã. De ser filha. De ser avó do João Pedro. De ser mãe. Hoje sei disso.
No dia em que espalhamos suas cinzas, na serra de Veranópolis cortada pelo Rio das Antas, li esse poema de Florbela Espanca.

À morte

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera... quebra-me o encanto!

2 comentários:

Jonei Reis disse...

Aí, Vanessa, lindo texto,e o poema que tu leu prá tua mãe é de arrepiar.

Beijos do teu amigão.

Jacqueline Pistorello disse...

Oi Vanessinha,

A descricao da Neusa que fizeste e muito astuta e perspicaz. Dava prazer de contar coisas para ela, sobre politica ou cultura, porque ela dedicava atencao total a conversa, como se fosse um fato interessantissimo. A curiosidade intelectual da Neusa e (era) algo realmente impressionante e inspirador. Ontem estava escutando Jair Rodrigues cantando Disparada e Ponteio e me veio uma nitida imagem dela cantando estas duas musicas, como dizes, com orgulho de ser parte da comunidade que as gerou. Tambem consigo imagina-la lendo ao teu artigo tao bem escrito com aquele orgulho, mesmo que um tanto disfarcado para nao parecer arrogante, da inteligencia de suas filhas. Um abracao! Jacque